20 de jun. de 2015

NOVOS E PROMISSORES ESTUDOS PODEM LEVAR À PRIMEIRA VACINA CONTRA O HIV

Pesquisas para estimular produção de anticorpos capazes de neutralizar o vírus da Aids têm resultados animadores








 A prodigiosa capacidade do HIV em mudar a configuração das proteínas em sua superfície para escapar da ação do sistema imunológico é um dos maiores obstáculos na criação de uma vacina eficaz contra o vírus, causador da Aids. Mas se tem algo que o HIV não pode mudar é o formato da “ponta” da proteína que usa para se ligar e invadir o tipo de célula específica de nosso corpo onde se reproduz, como uma “chave” que se encaixa numa fechadura.



Diante disso, nos últimos anos diversos grupos de pesquisadores têm buscado uma forma de estimular o sistema imunológico a produzir anticorpos capazes de identificar e neutralizar esta “chave” mesmo que o vírus mude completamente a estrutura de todo resto da proteína que a suporta, no que chamam de “anticorpos de ampla neutralização”. Isto é algo que uma pequena parcela, cerca de 20%, das pessoas soropositivas só faz após muito tempo depois de infectadas, quando já é tarde demais para que possam conter a doença, mas agora alguns destes grupos de pesquisadores sediados nos EUA relatam avanços importantes na estimulação e aceleração deste processo em um trio de artigos publicado nesta quinta-feira nas prestigiosas revistas científicas “Science” e “Cell”.
— À medida que o HIV passa por mutações no paciente, o sistema imunológico se adapta continuamente — explica Pia Dosenovic, primeira autora do artigo publicado na “Cell”. — Em alguns pacientes, este processo leva à produção de anticorpos de ampla neutralização, que são anticorpos incomuns capazes de se ligarem e neutralizarem uma grande gama de variantes do HIV que circulam globalmente. E é a produção destes anticorpos que estamos tentando estimular com uma vacina.


UMA ‘CHAVE’ DIFÍCIL DE COPIAR
A primeira dificuldade enfrentada pelos cientistas na busca por este tipo de vacina contra o HIV foi encontrar uma forma de reproduzir a “chave” usada pelo vírus para invadir nossas células. Em condições normais de laboratório, este código se desfaz quando eles tentam isolá-lo da cadeia de proteínas virais, o que impede sua transposição direta na produção de uma vacina, como acontece com muitos imunizantes que usam partes dos micro-organismos que são desenhadas para combater.

Assim, os pesquisadores sintetizaram diversas moléculas, chamadas “imunogênicos”, capazes de induzir as células B, as “fábricas” de anticorpos de nosso sistema imunológico, a responderem a esta “chave”. Em um dos dois artigos publicados na “Science”, eles relatam o sucesso de um deste imunogênicos, batizado eOD-GT8 60mer, na ativação inicial desta resposta imunológica pelas células B em experimento com camundongos geneticamente modificados para terem um sistema imunológico similar ao humano.

— A vacina parece funcionar bem em incitar esta resposta primária de anticorpos em nosso modelo com camundongos — diz David Nemazee, professor do Instituto de Pesquisas Scripps, na Califórnia, e autor sênior deste artigo na “Science”.

Mas conseguir provocar esta primeira reação do sistema imunológico não é o bastante para que se tenha uma vacina eficaz contra o HIV. É preciso ainda ensinar “passo a passo” as células B a produzirem logo e em grande quantidade os anticorpos de ampla neutralização contra o vírus. Os cientistas então criaram outra série de imunogênicos — que chamaram de “nativos” por se assemelharem mais com a “chave” natural do vírus — para guiar este processo. Injetadas em coelhos e macacos, duas destas moléculas se mostraram capazes de estimular e acelerar as células B na transição entre produzirem anticorpos específicos contra apenas um tipo do vírus e a fabricação dos de ampla neutralização, informam os pesquisadores no segundo artigo publicado na “Science”.

IMUNIZAÇÃO EM DOSES MÚLTIPLAS

Por fim, o estudo publicado na revista “Cell” une os achados dos anteriores, indicando que uma vacina bem-sucedida contra o HIV provavelmente terá que ser administrada em múltiplas doses, cada uma com um imunogênico ou uma mistura de imunogênicos específicos de forma a primeiro ativar a resposta inicial das células B ao padrão da “chave” molecular do vírus e depois progressivamente encaminhá-las rumo à efetiva produção dos anticorpos de ampla neutralização do micro-organismo. No experimento, também realizado com camundongos geneticamente modificados para terem um sistema imunológico similar ao humano, os cientistas novamente demonstraram que enquanto a molécula sintética foi eficiente em incitar as células B a reconhecerem esta parte do vírus, os imunogênicos “nativos” foram mais eficazes depois, numa espécie de “sintonia fina” dos anticorpos que elas deveriam fabricar para combater as diversas variações do HIV.


— Embora nossos resultados sugiram que imunizações sequenciais possam tornar possível a vacinação contra o HIV, apenas começamos a entender como esta sequência funcionaria — ressalta Pia Dosenovic. — Conhecemos o início e o fim, mais ainda não sabemos o que deve acontecer no meio.

Apesar de todos os estudos terem sido realizados com animais, os cientistas estão otimistas quanto à possibilidade de futuramente replicar os resultados em humanos, embora ressaltem que ainda vai levar algum tempo até que as pesquisas atinjam este estágio e uma vacina contra o HIV esteja de fato disponível.

— Os resultados são mesmo espetaculares — conclui Dennis Burton, chefe do Departamento de Ciências Imunológicas e Microbiais do Instituto de Pesquisas Scripps e coautor dos dois artigos do trio publicados nesta quinta-feira na “Science”. — Estamos de fato começando a ver a racionalidade de como o desenho desta vacina pode funcionar.
Fonte: O Globo

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