Pesquisas para estimular produção de anticorpos capazes de neutralizar o vírus da Aids têm resultados animadores

— À medida que o HIV passa por mutações no paciente, o sistema imunológico se adapta continuamente — explica Pia Dosenovic, primeira autora do artigo publicado na “Cell”. — Em alguns pacientes, este processo leva à produção de anticorpos de ampla neutralização, que são anticorpos incomuns capazes de se ligarem e neutralizarem uma grande gama de variantes do HIV que circulam globalmente. E é a produção destes anticorpos que estamos tentando estimular com uma vacina.
A
primeira dificuldade enfrentada pelos cientistas na busca por este tipo
de vacina contra o HIV foi encontrar uma forma de reproduzir a “chave”
usada pelo vírus para invadir nossas células. Em condições normais de
laboratório, este código se desfaz quando eles tentam isolá-lo da cadeia
de proteínas virais, o que impede sua transposição direta na produção
de uma vacina, como acontece com muitos imunizantes que usam partes dos
micro-organismos que são desenhadas para combater.
Assim, os pesquisadores sintetizaram diversas moléculas, chamadas
“imunogênicos”, capazes de induzir as células B, as “fábricas” de
anticorpos de nosso sistema imunológico, a responderem a esta “chave”.
Em um dos dois artigos publicados na “Science”, eles relatam o sucesso
de um deste imunogênicos, batizado eOD-GT8 60mer, na ativação inicial
desta resposta imunológica pelas células B em experimento com
camundongos geneticamente modificados para terem um sistema imunológico
similar ao humano.
— A vacina parece funcionar bem em incitar esta resposta primária de
anticorpos em nosso modelo com camundongos — diz David Nemazee,
professor do Instituto de Pesquisas Scripps, na Califórnia, e autor
sênior deste artigo na “Science”.
Mas conseguir provocar esta primeira reação do sistema imunológico
não é o bastante para que se tenha uma vacina eficaz contra o HIV. É
preciso ainda ensinar “passo a passo” as células B a produzirem logo e
em grande quantidade os anticorpos de ampla neutralização contra o
vírus. Os cientistas então criaram outra série de imunogênicos — que
chamaram de “nativos” por se assemelharem mais com a “chave” natural do
vírus — para guiar este processo. Injetadas em coelhos e macacos, duas
destas moléculas se mostraram capazes de estimular e acelerar as células
B na transição entre produzirem anticorpos específicos contra apenas um
tipo do vírus e a fabricação dos de ampla neutralização, informam os
pesquisadores no segundo artigo publicado na “Science”.
IMUNIZAÇÃO EM DOSES MÚLTIPLAS
Por fim, o
estudo publicado na revista “Cell” une os achados dos anteriores,
indicando que uma vacina bem-sucedida contra o HIV provavelmente terá
que ser administrada em múltiplas doses, cada uma com um imunogênico ou
uma mistura de imunogênicos específicos de forma a primeiro ativar a
resposta inicial das células B ao padrão da “chave” molecular do vírus e
depois progressivamente encaminhá-las rumo à efetiva produção dos
anticorpos de ampla neutralização do micro-organismo. No experimento,
também realizado com camundongos geneticamente modificados para terem um
sistema imunológico similar ao humano, os cientistas novamente
demonstraram que enquanto a molécula sintética foi eficiente em incitar
as células B a reconhecerem esta parte do vírus, os imunogênicos
“nativos” foram mais eficazes depois, numa espécie de “sintonia fina”
dos anticorpos que elas deveriam fabricar para combater as diversas
variações do HIV.
— Embora nossos resultados sugiram que imunizações sequenciais possam
tornar possível a vacinação contra o HIV, apenas começamos a entender
como esta sequência funcionaria — ressalta Pia Dosenovic. — Conhecemos o
início e o fim, mais ainda não sabemos o que deve acontecer no meio.
Apesar de todos os estudos terem sido realizados com animais, os
cientistas estão otimistas quanto à possibilidade de futuramente
replicar os resultados em humanos, embora ressaltem que ainda vai levar
algum tempo até que as pesquisas atinjam este estágio e uma vacina
contra o HIV esteja de fato disponível.
— Os resultados são mesmo espetaculares — conclui Dennis Burton,
chefe do Departamento de Ciências Imunológicas e Microbiais do Instituto
de Pesquisas Scripps e coautor dos dois artigos do trio publicados
nesta quinta-feira na “Science”. — Estamos de fato começando a ver a
racionalidade de como o desenho desta vacina pode funcionar.
Fonte: O Globo
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